sexta-feira, 20 de junho de 2014

AMOR DESTEMIDO



Amor Destemido

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Então, Maria, tomando uma libra de bálsamo de nardo puro,mui precioso, ungiu os pés de Jesus e os enxugou com os seuscabelos; e encheu-se toda a casa com o perfume do bálsamo.  João  12.3
O amor destemido agarra o momento. Provavelmente ainda podia sentir o perfume. Certamente que podia. Tratava-se de um perfume valioso. Importa­do. Concentrado. Aroma delicioso. Forte o suficiente para perfumar a roupa de um homem durante dias. Pergunto a mim mesmo se, entre uma bofetada e outra, ele não teria revivido aquele momento. E quando se agarra na pilastra romana e se firma no lugar para receber o próximo açoite nas costas, teria se lembrado do bálsamo em contato com sua pele? Será que teria visto, em meio às mulheres que o fitavam, o rosto pequeno e delicado de Maria, sua benfei-tora? Ela era a única que acreditava nele. Sempre que ele falava de sua morte, as outras pessoas davam de ombros, duvidavam, mas Maria acre­ditava. Maria acreditava porque ele falou com uma firmeza que ela já ouvira antes. "Lázaro, vem para fora!" ele ordenara, e o irmão de Maria saiu do túmulo. Depois de estar quatro dias em uma sepultura fechada com uma pedra, ele saiu caminhando. E quando Maria beijou as mãos, agora cheias de vida, de seu irmão morto há poucos dias, ela se virou e olhou. Jesus estava sorrindo. As lágri­mas haviam secado e os dentes brilhavam em meio aos fios de barba. Ele estava sorrindo. E em seu coração, Maria tinha a certeza de que nunca duvidaria das palavras de Jesus.Portanto, quando ele falou de sua morte, ela acreditou. E quando ela viu os três juntos, não conseguiu resistir. Simão, o le­proso curado, atirando a cabeça para trás numa gargalhada. Lázaro, o ressuscitado, inclinando-se para ouvir melhor as palavras de Jesus. E Je­sus, que dera vida a ambos, começando a rir pela segunda vez. "Este é o momento certo", ela disse a si mesma. Não foi um ato impulsivo. Ela carregara o grande frasco de perfume de sua casa até a de Simão. Não foi um gesto automático. Mas foi uma extravagância. O perfume valia um ano de salário. Talvez fosse a única coisa de valor que ela possuía. Não havia lógica em fazer isso, mas desde quando o amor é movido pela lógica?A lógica não comovera Simão.O bom senso não chorara diante do túmulo de Lázaro.
A praticidade não alimentara as multidões nem amara as crianças. O amor fez tudo isso. Amor extravagante, destemido, oportuno. E agora alguém necessita demonstrar o mesmo ao doador de tanto amor.
E Maria fez isso. Com o frasco na mão, postou-se atrás de Jesus. Den­tro de instantes todas as bocas silenciaram-se e todos os olhos arregalaram-se ao vê-la retirar, com os dedos nervosos, a elegante tampa do frasco. Somente Jesus não notou sua presença. Assim que ele viu todos os olhares voltados para atrás de si, ela começou a derramar o bálsamo. So­bre a cabeça de Jesus. Sobre seus ombros. Pelas suas costas. A fragrância inundou o ambiente. "Na pele de Jesus a fragrância da fé. Em suas roupas o aroma da confiança. Mesmo enquanto os soldados repartiam as vestes de Jesus, o gesto de Maria continuou a exalar perfume. Os outros discípulos zombaram de tal extravagância. Consideraram-na uma tolice. Irônico. Jesus os salvara de se afundarem no barco durante uma tempestade no mar. Capacitara-os para curar e pregar o evangelho. Dera sentido às suas vidas confusas. Eles, os recebedores de um amor ilimitado, censuraram a generosidade de Maria."Por que desperdiçar aquele perfume? Poderia ser vendido por um bom dinheiro e repassá-lo aos pobres", disseram com um sorriso maldoso. Observe a pronta defesa de Jesus a Maria. "Por que molestais esta mulher? Ela praticou boa ação para comigo."1A mensagem de Jesus é tão poderosa hoje quanto naquela época. Obser­ve: "Existe um tempo para o amor destemido. Existe um tempo para gestos extravagantes. Existe um tempo para derramar seus afetos sobre quem você ama. E quando esse tempo chegar — agarre-o, não o deixe escapar." O jovem marido está empacotando os pertences de sua mulher. A missão é solene. Seu coração está pesaroso. Ele nunca imaginou que ela morreria tão jovem. Porém o câncer veio com tudo, rapidamente. No fundo da gaveta, ele encontra uma caixa. Dentro um négligé. Sem uso. Ainda embrulhado em papel. "Ela estava sempre aguardando uma ocasião espe­cial", ele diz a si mesmo, "sempre aguardando..." O rapaz na bicicleta se revolta ao observar a zombaria dos estudantes. É de seu irmão mais novo que eles estão rindo. O rapaz sabe que deve se intrometer e defender o irmão, mas... aqueles estudantes são seus amigos. O que pensarão? E por se importar com o que eles pensam, o rapaz dá meia volta e segue pedalando.O marido olha para a estojo de jóias e pensa racionalmente: "Sei que ela quer esse relógio, mas é muito caro. Ela é uma mulher prática, com­preenderá. Hoje comprarei o bracelete. O relógio... algum dia."Algum dia. O inimigo do amor destemido é uma serpente cuja língua domina com maestria a linguagem da decepção. "Algum dia", ela sussur­ra. "Algum dia, eu a levarei para fazer uma viagem de navio." "Algum dia, terei tempo para telefonar e bater um papo." "Algum dia, as crianças compreenderão por que sou tão ocupado." Mas você sabe a verdade, não sabe? Sabe antes de eu tê-la escrito. Pode dizê-la melhor do que eu. Esse algum dia nunca chegará. E o preço da praticabilidade às vezes é maior do que a extravagância. Porém as recompensas do amor destemido são sempre maiores que seu custo. Vá em frente. Invista no tempo. Escreva a carta. Peça desculpas. Faça a viagem. Compre o presente. Faça isso. A oportunidade aproveitada traz alegria. A oportunidade perdida traz arrependimento.

Jeane de Souza Portes

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