Amor Destemido
Então, Maria, tomando uma
libra de bálsamo de nardo puro,mui precioso, ungiu os pés de Jesus e os enxugou
com os seuscabelos; e encheu-se toda a casa com o perfume do bálsamo. João 12.3
O amor destemido agarra o
momento. Provavelmente ainda podia sentir o perfume. Certamente que podia.
Tratava-se de um perfume valioso. Importado. Concentrado. Aroma delicioso.
Forte o suficiente para perfumar a roupa de um homem durante dias. Pergunto a
mim mesmo se, entre uma bofetada e outra, ele não teria revivido aquele
momento. E quando se agarra na pilastra romana e se firma no lugar para receber
o próximo açoite nas costas, teria se lembrado do bálsamo em contato com sua
pele? Será que teria visto, em meio às mulheres que o fitavam, o rosto pequeno
e delicado de Maria, sua benfei-tora? Ela era a única que acreditava nele.
Sempre que ele falava de sua morte, as outras pessoas davam de ombros,
duvidavam, mas Maria acreditava. Maria acreditava porque ele falou com uma
firmeza que ela já ouvira antes. "Lázaro, vem para fora!" ele
ordenara, e o irmão de Maria saiu do túmulo. Depois de estar quatro dias em uma
sepultura fechada com uma pedra, ele saiu caminhando. E quando Maria beijou as
mãos, agora cheias de vida, de seu irmão morto há poucos dias, ela se virou e
olhou. Jesus estava sorrindo. As lágrimas haviam secado e os dentes brilhavam
em meio aos fios de barba. Ele estava sorrindo. E em seu coração, Maria tinha a
certeza de que nunca duvidaria das palavras de Jesus.Portanto, quando ele falou
de sua morte, ela acreditou. E quando ela viu os três juntos, não conseguiu
resistir. Simão, o leproso curado, atirando a cabeça para trás numa
gargalhada. Lázaro, o ressuscitado, inclinando-se para ouvir melhor as palavras
de Jesus. E Jesus, que dera vida a ambos, começando a rir pela segunda vez. "Este
é o momento certo", ela disse a si mesma. Não foi um ato impulsivo. Ela
carregara o grande frasco de perfume de sua casa até a de Simão. Não foi um
gesto automático. Mas foi uma extravagância. O perfume valia um ano de salário.
Talvez fosse a única coisa de valor que ela possuía. Não havia lógica em fazer
isso, mas desde quando o amor é movido pela lógica?A lógica não comovera
Simão.O bom senso não chorara diante do túmulo de Lázaro.
A praticidade não
alimentara as multidões nem amara as crianças. O amor fez tudo isso. Amor
extravagante, destemido, oportuno. E agora alguém necessita demonstrar o mesmo
ao doador de tanto amor.
E Maria fez isso. Com o
frasco na mão, postou-se atrás de Jesus. Dentro de instantes todas as bocas
silenciaram-se e todos os olhos arregalaram-se ao vê-la retirar, com os dedos
nervosos, a elegante tampa do frasco. Somente Jesus não notou sua presença.
Assim que ele viu todos os olhares voltados para atrás de si, ela começou a
derramar o bálsamo. Sobre a cabeça de Jesus. Sobre seus ombros. Pelas suas
costas. A fragrância inundou o ambiente. "Na pele de Jesus a fragrância da
fé. Em suas roupas o aroma da confiança. Mesmo enquanto os soldados repartiam
as vestes de Jesus, o gesto de Maria continuou a exalar perfume. Os outros
discípulos zombaram de tal extravagância. Consideraram-na uma tolice. Irônico.
Jesus os salvara de se afundarem no barco durante uma tempestade no mar.
Capacitara-os para curar e pregar o evangelho. Dera sentido às suas vidas
confusas. Eles, os recebedores de um amor ilimitado, censuraram a generosidade
de Maria."Por que desperdiçar aquele perfume? Poderia ser vendido por um
bom dinheiro e repassá-lo aos pobres", disseram com um sorriso maldoso. Observe
a pronta defesa de Jesus a Maria. "Por que molestais esta mulher? Ela
praticou boa ação para comigo."1A mensagem de Jesus é tão
poderosa hoje quanto naquela época. Observe: "Existe um tempo para o amor
destemido. Existe um tempo para gestos extravagantes. Existe um tempo para derramar
seus afetos sobre quem você ama. E quando esse tempo chegar — agarre-o, não o
deixe escapar." O jovem marido está empacotando os pertences de sua
mulher. A missão é solene. Seu coração está pesaroso. Ele nunca imaginou que
ela morreria tão jovem. Porém o câncer veio com tudo, rapidamente. No fundo da
gaveta, ele encontra uma caixa. Dentro um négligé. Sem uso. Ainda
embrulhado em papel. "Ela estava sempre aguardando uma ocasião especial",
ele diz a si mesmo, "sempre aguardando..." O rapaz na bicicleta se
revolta ao observar a zombaria dos estudantes. É de seu irmão mais novo que
eles estão rindo. O rapaz sabe que deve se intrometer e defender o irmão,
mas... aqueles estudantes são seus amigos. O que pensarão? E por se importar
com o que eles pensam, o rapaz dá meia volta e segue pedalando.O marido olha
para a estojo de jóias e pensa racionalmente: "Sei que ela quer esse
relógio, mas é muito caro. Ela é uma mulher prática, compreenderá. Hoje
comprarei o bracelete. O relógio... algum dia."Algum dia. O inimigo do
amor destemido é uma serpente cuja língua domina com maestria a linguagem da
decepção. "Algum dia", ela sussurra. "Algum dia, eu a levarei
para fazer uma viagem de navio." "Algum dia, terei tempo para
telefonar e bater um papo." "Algum dia, as crianças compreenderão por
que sou tão ocupado." Mas você sabe a verdade, não sabe? Sabe antes de eu
tê-la escrito. Pode dizê-la melhor do que eu. Esse algum dia nunca chegará.
E o preço da praticabilidade às vezes é maior do que a extravagância. Porém as
recompensas do amor destemido são sempre maiores que seu custo. Vá em frente. Invista no
tempo. Escreva a carta. Peça desculpas. Faça a viagem. Compre o presente. Faça
isso. A oportunidade aproveitada traz alegria. A oportunidade perdida traz
arrependimento.
Jeane de Souza Portes
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